Destaques

1 O Reino do Meio | Opinião

As Flores de Lótus
Trilogia do Lótus 1
Pode uma ideia mudar o mundo?
 O século XX nasce, e com ele germinam as sementes do autoritarismo. Da Europa à Ásia, as ondas de choque irão abalar a humanidade e atingir em cheio quatro famílias.

Inspirando-se em figuras históricas como Salazar e Mao Tse-tung, o novo romance de José Rodrigues dos Santos conduz o leitor numa viagem arrebatadora que nos leva de Lisboa a Tóquio, de Irkutsk a Changsha, do comunismo ao fascismo o que faz de As Flores de Lótus uma das mais ambiciosas obras da literatura portuguesa contemporânea.


Autor: José Rodrigues dos Santos  
Editor: Gradiva (Outubro, 2015) 
Género: Romance
Páginas: 688


Excerto
O olhar de Salazar desviou-se momentaneamente para a janela do automóvel. Caíam lá fora os primeiros pingos de chuva, provenientes da treva, que deslizavam em ziguezague pelos vidros como se a noite despejasse lágrimas, mas logo surgiram nos passeios as luzes amareladas dos candeeiros noturnos, sinal seguro de que entravam em Lisboa.
“Para que se fez esta revolução se é para ficar tudo na mesma?”
“Na mesma?”, admirou-se o general Carmona. “O que quer o senhor dizer com isso?”
“O problema do país, senhor general, são os partidos!”, exclamou Salazar, a voz a ganhar veemência. “Os partidos, está vossa excelência a entender? Foi justamente a ação nefasta dos políticos e dos partidos que pôs o país onde ele está, senhor general. Ao contrário do que apregoam aos quatro ventos, os partidos não existem para servir o povo, mas para servir as suas clientelas. Fingindo servir a população, os partidos servem-se a si mesmos e apenas deixam ao país umas migalhas do banquete que engorda as suas gentes. Essa é que é a raiz do problema!”


Opinião
★★★★★
O livro As Flores de Lótus é, para mim, os dos trabalhos mais entusiasmantes do autor. Através deste primeiro livro, cuja continuação será intitulada O Pavilhão Púrpura, acompanhamos a evolução política internacional no início do século XX, através de quatro famílias: os Teixeiras de Portugal, os Yang da China, os Satake do Japão e os Skuratov da Rússia.

Esta diversidade faz-se obviamente acompanhar de grande complexidade e, por isso, não aconselho a leitura deste livro a quem não se sentir atraído pelo tema político, já que este é vastamente explorado através de uma considerável quantidade de informação, como já é imagem de marca do autor, e com algumas das noções a serem inclusivamente repetidas ao longo da narrativa.

José Rodrigues dos Santos já nos escreveu o suficiente para sabermos de antemão que os seus romances não serão sobre casais que se encontram por capricho do destino para viver um romance em tempos difíceis…aqui os tempos absorvem o protagonismo da narrativa e o conhecimento, mais do que motivos de entretenimento, perfaz o livro.

Nomes como Marx, Engel, Lenine, Mussolini, Mão Tse Tung, Confúcio, Estaline, Maquiavel e Salazar, entre outros, são referenciados para narrar o encaminhamento que conhecemos hoje à História. Além das crises sucessivas que decorreram em Portugal e que levariam à ditadura de Salazar, acompanhamos a revolução bolchevique. Observamos como, depois de instaladas na Rússia, as perigosas correntes do pensamento comunista são exportadas para a China, país que teve a sua quota de derrotas e onde se pretende agora que a revolução elimine de uma vez o imperialismo e o feudalismo.

Sob a interpretação de que a violência é uma força criadora, a luta entre classes e a instabilidade social desdobra-se pelo Mapa-mundo. O proletariado é levado a conjeturar que entre impetuosidade, violência, ditadura e desrespeito pela autoridade encontrará a sua vitória mas nós «vemos» nesta narrativa a sucessão de contradições e incoerências produzidas. A propriedade científica do socialismo é manifestamente contestada quando se torna óbvio que mudanças positivas para o povo podem ocorrer, sem violência, dentro de um sistema democrático e capitalista. A comparativamente frágil Rússia rende-se ao comunismo, quando países ocidentais mais poderosos e bem-sucedidos seguem políticas diferentes e onde os trabalhadores adquirem mais direitos sem recorrer à revolução.

Por se debruçar sobre temas pelos quais sempre me senti naturalmente atraída, calculei de que fosse apreciar este livro, mas fiquei positivamente surpreendida com a inclusão da tradição/cultura japonesa, decorrente de reflexões e interpretações existenciais tão diferentes das nossas. Fukui - uma das minhas personagens preferidas do livro - aprende desde cedo que, no Japão, fingir era bem mais adequado do que mostrar fraqueza e que o sentido de honra era para ser elevado ao expoente máximo, potencialmente sacrificial.

Fiquei igualmente agradada por encontrar algumas melhorias no escritor, como romancista. Mas, embora compreenda que seja uma forma de envolver personagens com conteúdo histórico, não nego que me vi algumas vezes arreliada por constatar que o autor continua a insistir em enfiar a maioria do esclarecimento teórico nas palavras dos seus personagens, resultando em alguns diálogos que ou são improváveis ou ocorrem em alturas inverosímeis… ou ambos.

Ignorando parte deste último parágrafo, gostei muito do livro e estou, como disse, desejosa de ler o próximo!


View all my reviews

Frases Preferidas
«um político mentiroso não devia ser corrido? No fim de contas, se a república significa a sabedoria do povo, e se os políticos mentem ao povo, não deveriam ser imediatamente afastados?» - p. 292
«A turba prefere sempre os pratos saborosos do cozinheiro aos remédios amargos do médico» - p. 294

O Pavilhão Púrpura
Trilogia do Lótus 2
Wook.pt - O Pavilhão PúrpuraNova Iorque, 1929. A bolsa entra em colapso, milhares de empresas fecham, milhões de pessoas vão para o desemprego. A crise instala-se no planeta.

Salazar é o ministro das Finanças em Portugal e a forma como lida com a Grande Depressão granjeia-lhe crescentes apoios. Conta com Artur Teixeira para subir a chefe de governo, mas primeiro terá de neutralizar a ameaça fascista.

O desemprego lança o Japão no desespero. Satake Fukui vê o seu país embarcar numa grande aventura militarista, a invasão da Manchúria, na mesma altura em que tem de escolher entre a bela Harumi e a doce Ren.

Lian-hua escapa a Mao Tse-tung e vai para Peiping. É aí que a jovem chinesa e a sua família enfrentam as terríveis consequências da invasão japonesa da Manchúria.

A crise mundial convence os bolcheviques de que o capitalismo acabou. Estaline intensifica as coletivizações na União Soviética e o preço, em mortes e fome, é pago por milhões de pessoas. Incluindo Nadezhda.

O mundo à beira do abismo.

Considerado pelos portugueses o seu maior escritor, José Rodrigues dos Santos acompanha-nos numa viagem palpitante à perigosa década de 1930 na companhia de figuras históricas como Salazar e Chiang Kai-shek. O Pavilhão Púrpura traz-nos o segundo tomo da mais ambiciosa saga da literatura portuguesa contemporânea.


Autor: José Rodrigues dos Santos  
Editor: Gradiva (Maio, 2016) 
Género: Romance
Páginas: 702


Opinião
★★★★✩
As personagens de José Rodrigues dos Santos não conversam, discursam.

Em cada trabalho, José Rodrigues dos Santos aprofunda muito pormenorizadamente um tema central e é por esse motivo que eu começo por dizer, à laia de aviso, que se não temos interesse no tema principal de um dos seus livros, como já me aconteceu no passado, mais vale deixar que nos passe ao lado. As longas exposições teóricas já fazem parte do estilo do escritor.

Posto isto, uma vez que o conteúdo documentado nesta trilogia me interessa sobremaneira, posso dizer que gostei muito tanto de Flores de Lótus como deste O Pavilhão Púrpura. Livros que, já agora informo, devem mesmo ser lidos pela ordem de publicação. 

Neste segundo volume encontramos o capitalismo e, consequentemente, a democracia manchados pela Grande Quebra de Wall Street. Em Portugal, as medidas de Salazar impediram que a tragédia se fizesse sentir em maior extensão, mas o grande rigor orçamental deste ministro das finanças que ansiava chefiar o governo abre espaço para algum descontentamento, nomeadamente entre os militares. 

Na união soviética, disposto a tudo para ultrapassar os países capitalistas e mostrar a superioridade do comunismo, Estaline avança com a sua 'fantasia teórica', cometendo enormes atrocidades contra o povo, obrigando-os a uma vida de miséria e servidão pior que a que levavam anteriormente. 'O comunismo viera para os libertar, mas estava a escravizá-los' - p. 91
Japão começa a afastar-se das ideias tradicionais do xintoísmo e do confucianismo. A grande quebra nas exportações nacionais virou-os contra o capitalismo e a democracia ocidentais; encontraram salvação durante a terrível depressão económica na Manchúria, mas o nacionalismo chinês ameaça os interesses japoneses.  Em vários pontos do mundo ouve-se falar sobre higiene racial - a eugenia... E da Alemanha começam a chegar notícias de um tal senhor Hitler. 

É no meio destes acontecimentos e importantes nomes da História que se encontram as personagens que começámos a acompanhar no livro anterior. Com existências muito diferentes e experimentando o início do século de forma distinta,  Fukui, Artur, Lian-hua e Nadija têm as suas próprias lutas para travar e problemas para ultrapassar. Artur tem especial interesse por nos aproximar de Salazar, das suas ideologias, opiniões, estratégias e manipulações. 
'(...) o Artur, o Fukui, a Lian-hua e a Nadija, pessoas ordinárias que se viram em situações extraordinárias e que, pela forma como as souberam superar, se tornaram elas próprias extraordinárias.' - p. 695
Inicialmente, o ritmo consideravelmente lento da narrativa manteve-me ligeiramente desiludida, mas o escritor acabou por aumentar a passada, a acção e, desta forma, também o meu interesse. Claro que há sempre espaço para melhoria, a mim parece-me que José Rodrigues dos Santos tem especial dificuldade em colocar-se na pele das suas personagens, o que resulta no género de falta de emoção que não gostamos de encontrar num romance. Além disso, já o disse antes mas repito, aborrece-me a insistência do autor em querer enfiar o máximo de informação nos diálogos, fazendo assim com que as conversas me soem falsas e pouco realistas. 

Ignorando isso - estou a gostar muito desta viagem pelo conturbado século XX que me permitiu aprender sobre as tradições e filosofias do mundo oriental e assistir ao prólogo das diversas circunstâncias que viriam a mudar o mundo!



Frases Preferidas
'Uma das razões pelas quais o parlamentarismo lançou o país no caos foi justamente a política de cunhas e trocas de favores e tráfico de influências que se instalou de forma endémica, com a colocação de pessoas não qualificadas em funções de responsabilidade. (...) Povoado de incompetentes bem-falantes em lugares de chefia, o país começou a definhar' - p. 374-375

'O poder só pode agradar aos tolos ou aos predestinados.' - p. 375

'Com os obstáculos que o destino nos ergue pelo caminho seremos capazes de nos tornar pessoas melhores, de aprender que a vida deve ser vivida como se cada minuto fosse o último, como se cada instante encerrasse um tesouro? Ou tornar-nos-emos seres amargos e atormentados que encaram o privilégio da existência como um fardo que se arrasta penosamente? O que é a vida senão um exame?' - p. 694

'O conhecimento, a cultura, não servem para mobilar um espírito mas para formá-lo.' - p. 544

O Reino do Meio
Trilogia do Lótus 3
Wook.pt - O Reino do MeioA guerra rebenta em Espanha e o Japão invade a China. Uma relação extraconjugal nos Açores, o atentado contra Salazar e as intrigas palacianas em Tóquio aproximam o coronel Artur Teixeira do cônsul Satake Fukui na mais imprevisível e perigosa das cidades - a Berlim de Adolf Hitler. Lian-hua, a chinesa dos olhos azuis, está prometida a um desconhecido quando vê os japoneses entrarem em Pequim e a sua vida se transforma num inferno. O mesmo espetáculo é observado pela russa Nadezhda Skuratova em Xangai, onde se apaixona por um português que a forçará a uma escolha impossível. A Berlim do blackout, dos boatos e das anedotas, do Hotel Adlon, das suásticas que brilham à noite e das lojas vazias com vitrinas cheias; a Pequim das mei po casamenteiras, dos chi pao de seda, dos cules e dos riquexós; a Tóquio do Hotel Imperial, dos golpes no Kantei, do zen e dos códigos de honra giri e ôn; e a Xangai da Concessão Internacional, dos portugueses do Clube Lusitano, dos néones, do Bund, das taxi-girls russas e dos bordéis. Senhor de uma prosa sem igual, José Rodrigues dos Santos está de regresso ao grande romance com a conclusão da história inesquecível das quatro vidas que o totalitarismo moldou. Lendo-se como um romance autónomo, O Reino do Meio encerra em grande estilo a polémica Trilogia do Lótus, uma das mais ambiciosas e controversas obras da literatura portuguesa contemporânea.

Autor: José Rodrigues dos Santos  
Editor: Gradiva (Setembro, 2017) 
Género: Romance
Páginas: 704

Opinião
★★★
O Reino do Meio encerra a Trilogia do Lótus; uma trilogia que segui com muito interesse não apenas as histórias dos personagens mas também esta reflexão de José Rodrigues dos Santos sobre os autoritarismos e totalitarismos que se instalaram, não sem contexto nem ao acaso, na primeira metade do século XX.

Embora menos do que dos dois livros que o antecedem, gostei consideravelmente d'O Reino do Meio. Sendo, dos três livros, o de menor carga teórica este terceiro volume foi, em consequência disso mesmo, o menos interessante para mim. Fiquei também um bocadinho desiludida com o final; vendo bem quem é que gosta de seguir um personagem ao longo de três livros e ver o seu futuro ser rematado desta forma: «teve o seu próprio destino e decerto um dia alguém o contará, alguém que não eu, entenda-se»? Acho que estes fantásticos personagens - e o leitor também - mereciam uma conclusão menos apressada.

Pormenores à parte, é de louvar a conclusão de um projeto tão ambicioso tendo em conta a complexidade das dinâmicas que aborda - o seu autor está definitivamente de parabéns!


Frases Preferidas
«Que estranho fenómeno era aquele que dava aos homens tanto ânimo para enfrentarem o perigo e tanto medo de encararem uma mulher? Porque se dispunham a correr para as balas assassinas e a fugir das lágrimas femininas? O que haveria no campo de batalha dos sentimentos que tanto os assustava? A intimidade? A fraqueza? A exposição da sua fragilidade?» - 100 
«uma conversa em que uma das pessoas fala sem cessar e a outra finge que ouve enquanto deambula na solidão dos seus pensamentos» - 103 
«As palavras bonitas fazem parte da relação correta entre as pessoas e cultivam os bons sentimentos. Porquê evitá-las?» - 176 
«(…) os socialismos nacionalistas russo, italiano e alemão são respostas à fraqueza, às derrotas e à humilhação da Rússia, da Itália e da Alemanha durante a guerra e diante das potências capitalistas ocidentais» - 225 
«As ideias nazistas não apareceram de repente, vindas do nada. Têm um contexto e são a concretização política de um conjunto de conceitos que vêm do século XV, que foram alimentados por grandes vultos intelectuais (…)» - 446





 A Chave de Salomão - Gradiva Publicações 2014  Um Milionário em Lisboa - Gradiva Publicações 2013 O Homem de Constantinopla - Gradiva Publicações 2013 A Mão do Diabo - Gradiva Publicações 2012  O Último Segredo - Gradiva Publicações 2011  O Anjo Branco - Gradiva Publicações 2010 Fúria Divina - Gradiva Publicações 2009 A Vida Num Sopro - Gradiva Publicações 2008   A Ilha das Trevas - Gradiva Publicações 2007 O Sétimo Selo - Gradiva Publicações 2007 A Fórmula de Deus - Gradiva Publicações 2006  O Codex 632 - Gradiva Publicações 2005 A Filha do Capitão - Gradiva Publicações 2004


Icons made by Freepik from www.flaticon.com is licensed by CC BY 3.0

Um comentário:

  1. Desde o romance "A Ilha das Trevas" que sou fiel leitor de José Rodrigues dos Santos, porque escreve muito bem, sem palavras rebuscadas e passa sempre uma mensagem ou algum ensinamento. Porém
    neste seu último livro, "As flores de Lotus" foi para mim uma grande decepção. É que enquanto o "Homem de Constantinopla" e "Um Milionário em Lisboa" são romances individuais e/ou se prolongam um no outro,
    este semi-romance não passa de um calhamaço com 4 historias em 683 páginas deixadas a meio sem qualquer nexo e então no que toca à
    revolução Marxista/Leninista é uma verdadeira lástima, pois se a sua verdade fosse a única, o povo soviético teria eleito os Nazis como
    salvadores da sua pátria e aberto as suas fronteiras para que eles
    entrassem à vontade, quando a final os Soviéticos é que tomaram Berlim. Depois, Lenin não morreu de um ataque de coração, mas sim
    pelas sequelas provocadas por um tiro de pistola disparada por uma
    burguesa, dona de casa. Quanto ao comunismo maoista eles tem outra versão e quer queiramos quer não, hoje são a 2ª. potência mundial.
    - Escusado será dizer, que não vou ler o 2º. livro.
    As melhores saudações.
    José Pires Sebastião

    ResponderExcluir