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0 A História Secreta + Opinião


Um grupo de estudantes inteligentes, excêntricos e rebeldes de uma escola em Nova Inglaterra frequentada por alunos oriundos da nata da sociedade norte-americana, sob a influência de um carismático professor de Estudos Clássicos, descobre um novo modo de pensar e viver, totalmente diferente do resto dos colegas. Só que, quando os limites da normalidade moral são ultrapassados, as suas vidas alteram-se totalmente e para eles torna-se tão fácil viver como matar…


Autor: Donna Tartt
Editor: Editorial Presença (Junho, 2015)* 
Género: Thriller
Páginas: 544
Original: The Secret History (1992)  
*Reedição
 Mekka-prijs (1994)
 Prix des libraires du Québec for Lauréats hors Québec (1994)


opinião
    (4/5)
My rating: 4 of 5 stars

"Esta é a única história que alguma vez serei capaz de contar."

Depois de desistir do curso de medicina e mudar para a universidade de Hampden, Richard passa a frequentar o curso de Estudos Clássicos, influenciado, em parte, pelo irresistível fascínio que desenvolve pelos únicos cinco alunos que frequentam este curso e também pela excentricidade exibida pelo docente. Claro que Richard não podia adivinhar na altura que esta decisão viria a alterar o rumo da sua existência para sempre.

The Secret History and the Little Friend : Two Books in One Special Edition Boxed Set - Donna Tartt
The Secret History & The Little Friend: Special Edition. Imagem de booktopia 


Tanto Richard como nós nos deixamos encantar por este grupo de jovens emancipados, inteligentes, cheios de idiossincrasias, conhecimento e filosofias interessantes. "(…) queria ser como eles. Mas fui bastante ingénuo em pensar que estas qualidades eram adquiridas e que seria esta a maneira de as aprender." (p. 37) Por diferir tanto da sua realidade, Richard fica também fascinado com a riqueza exibida por Francis e Henry e com a fachada coesa que representa a família de Bunny - "O meu pai era mau, a nossa casa feia, e a minha mãe não me dava grande atenção." (p. 16) A amizade instala-se facilmente, apesar de Richard se aperceber de que nenhum dos novos colegas é o que ele pensava e da sensação de que ocorre em paralelo alguma atividade fora do normal; o desejo que sente em se integrar no grupo leva-o a ignorar esta desconfiança.

É o sentido de lealdade para com os amigos e o desejo de inclusão que leva Richard a omitir o homicídio de um desconhecido, perpetrado por Henry, Francis, Camilla e Charles mas a corrupção deste compromisso vai ainda mais longe quando ele próprio é levado a participar e a encobrir o assassinato de um amigo chegado - Bunny - por influência dos seus pares. Além de demonstrar o efeito que decisões aparentemente fortuitas podem vir a ter na vida de um indivíduo, Tartt aborda o reflexo das amizades nas escolhas das personagens e, consequentemente, no seu futuro. "Suponho que todos nós passamos por um período crucial nas nossas vidas em que o caráter é determinado para sempre." (p. 89) Sem ignorar o valor da amizade, que comprometimento se deve realmente assumir perante um amigo? Até onde se deve permitir a sua influência?

DONNA TARTT PHOTOGRAPHED AT THE ARGOSY BOOKSTORE IN NEW YORK/ CREDIT: ANNIE LEIBOVITZ
Donna Tartt - Livraria Argosy (NY). Créditos: Annie Leibovitz - Imagem de readers-writers

O próprio Richard nos narra os acontecimentos que levaram cinco pessoas sensatas a cometer um homicídio, mas certamente que, apesar de toda a manipulação e influência que estiveram por trás, não podemos isentá-lo de culpa. Para além da ameaça que representava, os defeitos de Bunny, as dificuldades em lidar com ele e as suas irritantes manias e preconceitos são-nos apontados como fatores que potenciaram/justificaram a sua morte. Mas pintá-lo como má pessoa não é suficiente como justificação e, apesar da sua péssima abordagem, não tinha Bunny alguma razão? Não era ele próprio uma vítima da ganância dos seus pais? Quanto aos assassinos, vemo-los viver momentos de pânico devido à possibilidade de serem descobertos mas não chegamos a ver verdadeiro arrependimento, alguns parecem não compreender realmente a extensão do crime que cometeram e, bem mais grave, um deles serviu-se do crime como ato de libertação, experimentando verdadeiro prazer pela primeira vez na sua vida…

opinião<br/><a href="http://oi59.tinypic.com/wkg6cx.jpg" target="_blank">View Raw Image</a>'A História Secreta" é um excelente compromisso entre bom conteúdo e entretenimento. A Literatura Clássica tem tanto de exigente como de interessante e a abordagem de Donna Tartt sobre o tema é bastante satisfatória. Apesar de, pelo menos durante a maior parte do livro, o abuso de álcool e o consumo de drogas não ser visto pelo grupo como um [potencial] problema, a presença constante destes elementos e as repercussões que vamos observando, transforma-os em tópicos muito importantes.

A faixa etária das personagens não deve servir de base ao leitor para que se decida por este livro, ou não. Tartt exige leitores mais maduros, com interesse em personagens socialmente desajustadas e que estejam dispostos a investir tempo nos seus livros, tanto em leitura como potenciais pesquisas paralelas. Mas são livros que, no final, acabam por nos enriquecer de alguma forma.

Isolando as suas personagens, sem contextualizar em relação ao que se passa no resto do mundo, sem embarcar em histórias paralelas, mantendo todas as outras personagens a relativa distância, Tartt mantem-se focada e impede que nos deixemos distrair. Pessoalmente, agrada-me imenso a falta do tom furioso a que tantos autores recorrem para nos manter interessados; Tartt não é frenética na sua escrita, leva o seu tempo, exige-me o meu, e é tempo que acabo por não dar por passar devido ao prazer que retiro da leitura…
Sinto-me bem nestes livros.

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Gardening For Murderers 101 - Ilustração baseada em Henry Winter, uma das personagens de 'A História Secreta'. Regina Vega - Design & Illustration. Imagem de demonsteration

O final não é especialmente satisfatório mas também não estou certa de que viesse a funcionar de outra forma já que se mantém fiel às suas personagens. Como gosto de diferenciar trabalhos de um mesmo autor e como não tenho aqui a possibilidade da meia estrela, fico-me pelas quatro já que gostei mais do livro 'O Pintassilgo', apontando no entanto a possível injustiça desta escolha especialmente quando em comparação de 'A História Secreta' com trabalhos de outros autores.
"Não devemos assustar-nos com coisas das quais nada sabemos. De outro modo sereis como crianças. Com medo do escuro." (p. 466)



"(…) é impossível a um intelecto medíocre verter o discurso de um intelecto superior (…) sem se perder um bom bocado na tradução." (p. 44)
"Mais terrível ainda é constatar, à medida que envelhecemos, que ninguém, por mais querido que nos seja, poderá compreender-nos verdadeiramente." (p. 44)
"A beleza raramente é doce ou consolatória. Muito pelo contrário. A beleza genuína é sempre bastante alarmante" (p. 46)
"Como qualquer pessoa, gostaria de acreditar no lado bom das coisas, no velho chavão que nos diz: amor vincit omnia. Mas se há coisa que aprendi na minha breve e triste vida é que esse chavão é uma grandíssima mentira. O amor não é tudo nesta vida. E quem pensar que sim, engana-se redondamente." (p. 223)
"Não devemos assustar-nos com coisas das quais nada sabemos. De outro modo sereis como crianças. Com medo do escuro." (p. 466)



✏ Filha de Don e Taylor Tartt, Donna nasceu a 23 de Dezembro de 1963 em Greenwood, Mississippi mas foi criada em Grenada, Mississippi, Estados Unidos da América. De ascendência italiana, é autora de romances, ensaios e também crítica literária. Iniciou os seus estudos universitários na Universidade do Mississippi em 1981, transferindo-se posteriormente para a Universidade de Bennington em 1982, onde veio a concluir a sua formatura em 1986. Foi neste estabelecimento de ensino que conheceu o escritor Bret Easton Ellis, seu colega de Universidade. Tartt iniciou o seu primeiro romance A História Secreta durante o seu segundo ano em Bennington. Foi Ellis que recomendou o seu trabalho a uma bem conhecida agente literária, Amanda Urban, que preparou o caminho para o êxito do romance. Foi publicado em 1992 com enorme sucesso, chegando a ultrapassar 75.000 exemplares na primeira edição, tornando-se assim um bestseller. O Pintassilgo é o seu terceiro romance e foi galardoado com o Prémio Pulitzer de Ficção e com a Andrew Carnegie Medal for Excellence in Fiction. Em 2014, Donna Tartt foi considerada uma das 100 pessoas mais influentes pela revista Time.

A História Secreta - 2015 O Pintassilgo - 2014 O Pequeno Amigo - 2006





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