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0 O Tio Vânia + Opinião


A peça O Tio Vânia foi escrita entre 1896 e 1897, logo a seguir a A Gaivota e ainda antes desta estrear. Foi representada pela primeira vez no Teatro de Arte de Moscovo, em Outubro de 1899. 

Também a este caso se aplica o que escreveu Elsa Triolet em A Vida de Tchékhov: "As grandes peças de Tchékhov [...] transgrediam todas as regras da dramaturgia do seu tempo; introduziam na cena a vida quotidiana, as pessoas simples, a linguagem de todos os dias; obrigavam o encenador e os intérpretes a abandonar o que o teatro tinha de teatral, as suas convenções habituais... O diálogo de Tchékhov possui uma particularidade a que é uso chamar-se o seu 'antetexto', espécie de corrente submarina que passa, silenciosa, por detrás das palavras pronunciadas em voz alta."


Autor: Anton Tchekhov
Editor: Relógio D'Água (2006)
Género: Ficção/Peça
Páginas: 96

opinião
(4 em 5)
Desta vez tenho que agradecer às minhas momentâneas faltas de lucidez já que não me lembro sequer de ter comprado este livro. Foi provavelmente numa das minhas idas mais demoradas à livraria em que vou pegando e largando livros e acabo por sair desorientada da loja, sem saber ao certo o que comprei. 

Encontrei «O Tio Vânia» numa das pilhas de livros por ler; nem sei há quanto tempo era essa a sua morada mas apeteceu-me lê-lo para variar um bocadinho. 

... E gostei muito! O tamanho do livro não é reflexo da densidade do seu conteúdo. Por ser uma peça, acabamos por ter um papel mais activo, acrescentando as nossas percepções em relação ao que não foi escrito. Cada vez mais os livros se enchem de grafismo, parágrafos e parágrafos de descrição para montar cenários, linhas e mais linhas para dissecar sentimentos e aqui está, da forma mais simples possível, mas com igual ou superior competência, «O Tio Vânia». 

A melancolia que encontrei antes nos contos de Tchekhov mantém-se. Na Rússia rural do século XIX, em eminente falência, encontramos uma série de personagens aborrecidas com a vida, letárgicas, infelizes e frustradas, arrependidas das suas escolhas, sofrendo com a perda do que poderia ter sido, caso tivessem tomado outras decisões. 

Vânia, tão perspicaz em identificar os defeitos e problemas nas vidas alheias, obcecado com o desperdício dos seus melhores anos a trabalhar para quem, conclui agora, não merecia a sua dedicação. Perdido de amores por quem o repudia. Elena, que a todos fascina, tão superficial e fútil à primeira vista - preguiçosa demais para tentar sequer mudar a sua triste condição de jovem esposa de um velho hipocondríaco que nunca amou. Ástrov, filósofo introspectivo, desapontado com a vida a ponto de ser incapaz de amar ou de tampouco perceber o amor que lhe é dedicado. Um visionário com preocupações ambientais que o tornam excêntrico aos olhos dos outros. E Sónia, demasiado fraca e modesta até para sofrer; acomoda-se na esperança de uma existência calma até que chegue a justa morte. 

Amores impossíveis e angustiantes que, mesmo quando revelados, não levam a nenhuma alteração concreta nestas vidas; tudo termina como começa e as vidas desperdiçadas até então, permanecerão por desfrutar.


Frases do Livro:
«E a vida, também, é um tédio, uma estupidez, é cá uma porcaria de vida...Atola-nos.» (p. 12)
«Não quero nada, não preciso de nada, não gosto de ninguém...» (p. 12)
«Anda há vinte e cinco anos a mastigar as ideias dos outros sobre realismo, naturalismo e outros disparates; há vinte e cinto anos anos que anda a ler e a escrever coisas que os inteligentes já sabem há muito e que os parvos não querem saber...» (p. 17)
«Mas a culpa não é das convicções, é de ti próprio. (...) as convicções em si não são nada, são letra morta... Era preciso agir, ser activo.» (p. 21)
«É preciso ser um bárbaro insensato (...) para destruir o que não somos capazes de criar. O homem foi dotado de razão e de força criadora para multiplciar o que lhe foi dado, mas até hoje não tem criado, só destruído.» (p. 24)
«Essa preguiça de viver! Ah, tanta preguiça!» (p. 26)
«Quando não há uma autêntica vida, as pessoas vivem de miragens.» (p. 40)
«Já não existe uma atitude espontânea, pura, para com a natureza e as pessoas... Não há!» (p. 43)
«(...) o tédio e a ociosidade são contagiosos.» (p. 52)
«A verdade, seja ela qual for, é sempre menos terrível que a incerteza.» (p. 55)
«Viveremos uma enfiada longa de dias, longa, de tardes longas; suportaremos com paciência as provações que o destino nos mandar; trabalharemos para os outros, agora e na velhice, sem descanso, e quando chegar a nossa hora morreremos com submissão e lá, no além, diremos que sofremos, que chorámos, que nos amargurámos, e Deus terá misericórdia de nós, e então, meu tio querido, teremos uma vida luminosa, bela, elegante, seremos felizes e olharemos para as nossas desgraças de hoje com ternura,, com um sorriso - e descansaremos. (...) veremos que toda a maldade do mundo, todos os nossos sofrimentos se afogam na misericórdia de que se enche o mundo inteiro, e a nossa vida se tornará serena, terna, doce como o carinho. (...) Não conheceste as alegrias da vida, mas espera, tio Vânia, espera... Descansaremos...» (p. 88)


✏ Anton Tchékhov (1860-1904) Importante escritor e dramaturgo russo, considerado um dos mestres do conto moderno. Nasceu em Taganrog, no sul da Rússia, em Janeiro de 1860. Terminou os estudos de Medicina em 1884 e começou a exercer nos arredores de Moscovo. Para ajudar financeiramente a família, faz pequenos trabalhos jornalísticos e as primeiras tentativas literárias. Em 1887 ganhou o Prémio Pushkhin da Academia Russa e grande popularidade, com a sua segunda antologia de contos. É no final da sua curta vida - morreu aos quarenta e quatro anos - que escreve as peças que o consagram como grande dramaturgo: A Gaivota, Tio Vânia, As Três Irmãs e O Cerejal.



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