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  Acaso (1914), a obra que tornou Joseph Conrad conhecido, conta a história de Flora de Barral, uma jovem vulnerável. Após a prisão do pai, que entrou em falência, Flora descobre que uma mulher na sua posição apenas pode contar consigo mesma.
  Refletindo a realidade da época, nomeadamente a luta das mulheres pelos seus direitos, é uma narrativa brilhante de um prolífico autor.

Autor: Joseph Conrad
Editor: Civilização Editora (Junho, 2013)
Género: Clássico
Páginas: 360


opinião
     (4 de 5)

 Acaso foi, inicialmente, fonte de desconsolo e alguma confusão devido à lentidão com que apresenta o enredo, que não é de percepção imediata, e também por acumular narração dentro de narração - a certa altura estamos a aceder a uma história contada por Powell a Marlow que a conta ao narrador principal que a partilha então connosco…

 No entanto, volvido algum tempo, dei por Joseph Conrad a transformar-me gradualmente numa ávida coscuvilheira; a espreitar a vida alheia, interessada em «ouvir» conversas que não me dizem respeito e a tirar delas as minhas precipitadas conclusões. A pouco e pouco, história e personagens ganham dimensão; afeiçoamo-nos a indivíduos dos quais não chegámos realmente perto e de quem não ouvimos uma única palavra em primeira mão e então sim, apercebemo-nos que estamos perante um autor brilhante!

 Achei as descrições relacionadas com o mar particularmente bonitas e o estatuto
da mulher na sociedade da altura especialmente interessante; quando o pai de Flora é preso, esta vê-se completamente desamparada, à mercê da boa vontade - ou falta dela - de outras pessoas. A condição feminina é considerada sob vários pontos de vista - Marlow, que faz algumas insinuações bastante desagradáveis sobre o género, Mrs. Fyne uma feminista activa e a própria Flora que nos mostra a impossibilidade de uma jovem como ela decidir o seu próprio futuro e garantir o seu próprio sustento. 

 Assim, e apesar de não termos começado da melhor maneira, Acaso acabou por se revelar uma leitura muito agradável e interessante, escrita de forma inteligente e cuidada.


Frases Preferidas:
«De facto, não posso compreender a utilidade de um espírito que não seja curioso. É como uma saleta permanentemente fechada à chave.»
«Por vezes a inteligência desnorteia tanto as pessoas como as paixões.»
«a simplicidade é boa conselheira e o isolamento não é mau educador.»
«Uma inteligência bem organizada enfraquece a vontade de agir, ao passo que a inteligência em excesso conduz por vezes à loucura.»
«Andar à deriva é a única maneira cómoda de uma pessoa se mover e a mais adequada à reflexão.»
«Mas os dias bonitos são os melhores para se ficar em casa a ler, a pensar, a reflectir e até a sonhar.»
«Mesmo na melhor armadura de aço há juntas que um golpe traiçoeiro pode sempre atingir se o acaso der para isso oportunidade.»
« (...) e a incapacidade para praticarmos o bem ou o mal é inerente à nossa condição humana. Somos medíocres. E talvez seja melhor assim, porque, na maior parte das vezes, nunca sabemos qual o resultado das nossas acções.»
«Admirei-me da rapidez com que as mulheres raciocinam. A agilidade mental é uma rara perfeição. E elas têm-na! E são também justas! E persistentes! Quando se agarram a qualquer árvore, poderemos arrancar esta, mas não conseguimos desapegá-las dos ramos. De facto, quanto mais as abanamos...» 
 «O remorso, considerado como uma vergonha que nos consome, ou como um arrependimento que de nada vale, só o posso compreender quando, de qualquer modo, prejudicamos alguém.»
«Um mundo de apaixonados inflamáveis, do tipo Romeu e Julieta, acabaria em breve na barbárie e na desgraça.»
«Compreende agora o poder da sugestão? Vivemos à mercê de uma simples palavra malévola.»
«estar ocupado com assuntos materiais é a melhor defesa contra a reflexão, receios e dúvidas, e todas as outras coisas que entravam a acção. Creio que uma pessoa resolvida a cortar o pescoço, sentiria certo alívio enquanto estivesse ocupada a afiar cuidadosamente a navalha.» 

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