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0 Carta ao Pai - Opinião

Carta ao Pai

My rating: 5 of 5 stars

Poucas coisas inspirarão maior melancolia do que uma carta que nunca chegou às mãos do seu destinatário…

Depressivo e triste, este texto com tão elevado nível de exposição íntima e tamanha sinceridade, é também fascinante.

A carta escrita por Franz Kafka ao seu pai, Hermann Kafka, será também o mais próximo de uma autobiografia que o escritor nos deixou. Muito fica explicado sobre o carisma angustiado e sorumbático de Kafka, tão patente nos seus outros livros. Kafka será um óptimo exemplo da importância paterna na educação de uma criança - e o quanto a sua falha pode vir a diminuir um indivíduo na sua personalidade futura. A culpa que o escritor atribui a si próprio perante a incapacidade de se tornar naquilo que o pai nunca o ensinou ou sequer terá incentivado a ser e, contudo, esperou que ele se tornasse, é bastante reveladora.
É visível o muito do seu tempo que Kafka terá dedicado ao pensamento sobre os assuntos abordados - será assim com pessoas que se veem obrigadas a procurar refúgio dentro de si mesmas e que, isoladas, acabam por reflectir demasiado nos seus problemas, provavelmente exacerbando-os enquanto buscam por motivos lógicos.
Ao falhar redondamente no cumprimento das expectativas do pai, o autor tenta explicar e justificar nesta carta as suas acções, tomadas ao longo dos anos, mostrando o impacto que a convivência com o pai teve nestas decisões.
Kafka apresenta-nos a realidade de viver com um pai que é incapaz de desarmar; para quem a imposição de autoridade é colocada acima de qualquer demonstração de afecto. Mostra-nos o que é viver como um espectro. Silencioso. Próximo do invisível. Mais próximo ainda da exaustão…do nada…ou, em alternativa, em combustão total.
Sem conseguir encontrar o que fosse nos gritos ou nas ofensas, por vezes sobra apenas um feíssimo sentimento de fúria no interior…e às vezes é tudo o que se tem. Tudo o que nos foi deixado.
Sermos definidos em poucas e negativas palavras.
Ver todos os nossos argumentos ilogicamente invalidados apenas por capricho.
Sentir ainda na juventude que guardamos uma alma velha e cansada, triste. Junto com uma revolta monstruosamente grande. Intensa. Corrosiva.
Ter apenas uma boa recordação da companhia paterna, ou duas, como Kafka, e não saber sequer se faríamos melhor em agradecer esses escassos momentos ou amaldiçoar quem os proporcionou por revelar, simultaneamente, que as coisas podiam realmente ser diferentes.
Evitar olhar nos olhos de quem nos criou - porque os olhos recordam-nos que por detrás deles há uma pessoa como nós. Recorda-nos que deveria existir humanidade, algures, por detrás dos mesmos. E, pior ainda, que assim sendo, é por deliberada escolha pessoal que nos destratam.

E às tantas, não estou a falar de Kafka, estou a falar de mim.
Tal como a meio do livro já não estava a ler sobre Kafka, estava a ler sobre mim. Fundi-me com este autor como nunca me havia dissolvido nas palavras de nenhum outro, portanto, posso não estar a ser objectiva na minha classificação, mas este livro merece umas ENORMES (e muito subjectivas) 5 estrelas!



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